quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Estações das Docas e Ver-o-Peso: uma metáfora da desigualdade social



A tarde estava linda. O sol derramava-se todo na baía de Guajará enquanto garças sobrevoam aquele espelho violentado de embarcações irregulares. Ao lado, as Estações das Docas, complexo de três armazéns de docas desativados e adaptados em ponto turístico. O governo da época torrou uma grana doida ali. O povo não gostou, pois se sentiam coagidos a entrarem num espaço onde uma bola de sorvete custava cerca de oito reais.
- O que dirá uma simples e inocente cerveja? – comentou Raimundo.
Até o aspecto dos freqüentadores daquele lugar era diferenciado, pessoas bem alimentadas e vestidas; pessoas altas e de gestos insolentes. Garçons que falavam várias línguas, gestos estudados, aspecto aristocráticos, servidão no mais alto nível e camisas alvas e engomadas. Eram belas camisas. Eu poderia consegui algumas camisas como aquela e todo o dinheiro do mundo e entrar e tomar umas cervejas ali, mas mesmo assim, na minha cara estaria uma placa escrita a palavra: “POBRE”.
Por isso, eu gostava mesmo era de beber no Ver-o-Peso. Lá o pessoal era outro. Putas transitando por entre os box’s onde funcionavam os bares, mendigos fedorentos, engraxates, vagabundos profissionais, vendedores de relógios e DVD’s e CD’s falsos, vendedores de queijinho no espeto a um real e a baía bem mais amistosa e cordial do que a baía da Estação das Docas, que ficava praticamente ao lado. Sim, praticamente, pois, uma praça ficava entre elas, a Praça do Pescador.
Certa vez Daniel comentou a respeito daqueles dois mundos distintos e relacionou com a realidade dual de nosso planeta e principalmente de nossa sociedade. Os pobres ou “picas finas”, como diria minha avó, de um lado e sem muita atenção; os ricos ou “picas grossas”, do outro, com privilégios e lambidas no saco direto.
Daniel pensava em pegar em armas se fosse possível e, assim como Cazuza, ele também desejava “dinamitar a burguesia”. Eu apenas queria beber e, de certa forma, desejava mesmo era que todos se fodessem ou que deixassem eu me foder sozinho.
Enquanto isso, a tarde já não era mais. E uma puta de rosto bonito, segurou-me pela cintura e esfregou-se nas minhas costas antes de sumir na direção da Castilho França.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Uma cerveja e a certeza de algo




Então Daniel cruzou o salão, sentou-se em uma mesa junto à janela, que fazia frente com a rua e pediu uma cerveja. Ele também se achava grande coisa, no entanto, se sua mãe aparecesse ali ele se cagaria nas calças. Ele não podia vacilar senão os seus velhos lhe arrancariam o couro e os ossos. Morar com os pais quando se é um homem feito é insuportável e, muitas vezes, humilhante. Ainda mais para um aspirante a alcoólatra.
E ele bebia sua cerveja imaginando, temeroso, se seus pais desconfiariam de seu estado sóbrio. Talvez seus pais lhe cheirassem a boca como tantas vezes já fizeram. Ele tinha 21 anos e desejava morar sozinho. Mas para isso se era necessário arrumar um emprego e Daniel odiava trabalho e convívio humano.
A cerveja despediu-se. Daniel enfiou as mãos nos bolsos. Estava liso. Nem umas moedinhas sequer para um trago de cachaça vagabunda.
Definitivamente ele precisava arrumar um emprego. E isso o atormentava.
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