sábado, 11 de abril de 2009

Cores, sons, cheiros. O show de Sandrinha vai começar

foto Walter Rodrigues


Nuvens gordas de chuva. Grandes nuvens cinza. Relâmpagos. Vento frio. Revoada de urubus sinistros. Bondinho carregado de turistas atentos a arquitetura antiga. Embora a tarde estivesse se ausentando e a possibilidade de um aguaceiro desabar, inicio minha ronda pelas ruas da Cidade Velha.


Atravesso a Travessa Felix Rocque e decididamente avanço à Rua Tomázia Perdigão. Atenho-me ante uma fachada de linhas retas a fazer contraste com os vãos em arcos de janelas e portas deterioradas. Azulejos português desgastados pelo tempo, semblantes infantis em massa e entre o primeiro e segundo andar uma placa retangular dançando ao vento exibi a imagem de uma silhueta feminina vizinha das palavras: “Club’s Show Drink’s”


Resolvo entrar.


Logo à entrada sou surpreendido com uma cartela. “É um bingo que vai rolar daqui a pouco. O ganhador escolhe a puta que quiser do salão por conta da casa”. Disse-me o rapaz da portaria. Guardei a cartela no bolso. Talvez eu tivesse sorte. Observei uma ampla escada em madeira de dois lances enquanto uma jovem prostituta de mini-saia preta vencia o primeiro lance de escada deixando visível o vermelho vivo de sua calcinha rendada.


Depois me deparei com uma pequena e estreita porta. Uma porta incrivelmente desornamentada, uma portinha sem detalhe algum.


- É SÓ ABRIR A PORTA, FERA! – gritou-me o rapaz da portaria.


E, de repente, um mundo de cores, sons e cheiros. Um balcão logo de frente servia caipirinha e cerveja geladíssima. Encostei-me ao balcão e pedi uma gelada. O show de Sandrinha iniciava-se.


As mesas junto ao palco eram ocupadas por homens de todas as idades, eufóricos. Palavras de baixo calão corriam indiferentes por todo aquele estreito e refrigerado salão. E a luz vermelha derramava-se em abundancia sobre o corpo nu de Sandrinha. Era como se ela tivesse acabado de sair do forno. E ela executava o seu show com classe, ela tinha estilo. Seu jovem corpo moreno e torneado a enroscar-se na barra de ferro, seus olhos de um castanho meigo e ingênuo fixavam-se em coisa alguma, seus negros cabelos encaracolados a grudar em seus seios rígidos e suados. Sandrinha levava o público à loucura enquanto as meninas no salão ofereciam seus generosos serviços. O bingo ficaria para outra oportunidade. Eu precisava continuar minha ronda.


Então segui no rumo da Joaquim Távora, observei o barroco na estrutura da Capela de São João Batista, a fachada do Grupo Escolar Rui Barbosa e toquei para Rua São Boaventura.


Já era noite e a chuva não desabara. E me vi entrando em um prédio que tentava imitar em seus altos muros, muros medievais. “Drivi-in Los Piratas”. Um rapaz saiu ao meu encontro e informou-me que o espaço funcionava somente com drivi-in, ou seja, guiava-se o veículo até um dos mais de 100 boxes quadrangular, estacionava-se, fechava-se a cortina e o casal ficava a vontade.


Movimento intenso de pessoas, automóveis e motos do lado de fora de uma casa de show próximo. Resolvi pesquisar aquele local também. Tratava-se da casa de show “Palmeiraço”, que trabalhava mais uma das muitas festas de aparelhagem que acontecem na cidade. Melody, Brega, Forró, Funk, Pagode entre ostros ritmos. Telões espalhados pelo espaçoso ambiente mostravam o êxtase provocado no numeroso público pelas fortes batidas das gigantes caixas de som.


Enfeitiçados, os corpos rebelam-se, pulsam rítmicos à batida que ecoa pelas células, partindo os ossos e espalhando as medulas pelo o corpo oco. Rebelião dos corpos incontrolados, inalantes de sensações diversas. Era impossível ficar parado, pois o som nos tirava para dançar com ele e o vento que vinha varrendo os suores trazia consigo o cheiro do rio Guamá que nos espiava dos fundos. Tomei mais duas cervejas e fiquei duro.


Então, ao lado do Mangal das Garças, uma fachada retangular ostentava uma faixa com a palavra: “Mormaço”. Entrei. Percorri um largo e extenso corredor em concreto. Depois uma curva a formar uma espécie de “L” e finalmente a bilheteria. A mesma conversa de estou fazendo uma pesquisa e etc. E adentro no salão de festa de graça. Iluminação boa e no palco músicos a trabalhar ritmos regionais em homenagem ao aniversário de Mestre Verequete. Salão amplo trabalhado em madeira acima do rio Guamá. Assim como o “Palmeiraço” da Rua São Boaventura ambos poderiam funcionar como trapiche também. Alguns barcos ao lado aportados. Jovens dançando bebendo, uma garota me pagou algumas cervejas. Ela parecia encapetada e levou-me para junto de mais dois rapazes, presas dela. Não sei quais eram suas intenções então na primeira oportunidade que me apareceu eu dei fora dali.


Eu não sei se aquela garota pôs alguma coisa em minha bebida, só sei que a sentar-me no banco da praça do arsenal de marinha adormeci subitamente...


Sem óculos e sem dinheiro. O sol a esmurrar-me a face. Os bem-te-vis nos portes e nas árvores. Um guarda a me cutucar com o cassetete. Ele me diz algumas coisas que não escuto. Ergo-me e sigo a pé para casa.




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O texto acima integra o livro Cidade velha - Cidade viva, Belém-PA 2008. O livro foi editado pelo jornalista e professor Oswaldo Coimbra, responsável pelo Grupo de Memória da UFPA, ministrante da oficina e condutor dos trabalhos de preparação dos textos e das ilustrações. A impressão foi custeada pela CiV-Viva, com contribuições de empresas do bairro. E o texto acima integra a citada obra.


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