EU NÃO PODIA facilitar as coisas para traficante de merda, por isso, eu precisava manerar nos tragos. Dormir com porta e janela abertas era demasiado irresponsável e fatal. Vitória me caguetou para nossa mãe, e eu novamente prometi não me embriagar mais. “Tu tens que procurar uma religião, Álvares. Tu tens que acreditar em alguma coisa pra segurar a barra. Vou me virar pra conseguir uma consulta psicológica pra ti.” Disse-me mamãe numa de minhas raras visitas a ela. Era que eu odiava a fuça de Raimundo, um bêbado que vivia com minha velha e a sugava. Eu nunca consegui entender o porque dela ainda viver com ele depois de tudo o que aconteceu. Ela devia amá-lo demais. Enfim, eu prometi que freqüentaria um templo evangélico. Ela comentou que era a melhor coisa que eu faria na vida. Eu, durante a adolescência, costumava freqüentar essa ramificação do Cristianismo, entretanto, saí tão logo ler toda a bíblia, livro que eu achei por demais contraditório, intolerante, elitista e preconceituoso. Lewis Carrol com sua “Alice no País das Maravilhas” e Saint Exupéry com seu “Pequeno Príncipe” me falaram bem mais naquela época.
Arrumei-me, tomei o restante do vinho da noite anterior e saí.
A igreja estava lotada. Sentei-me na última fileira e fiquei observando o desenrolar do culto. Aquilo já estava me enfadando. Por duas vezes cochilei. O pastor era um sujeito baixo e gordo. Seu sermão dava mais voltas do que pneu de coletivo. Era um saco ter que ouvi-lo narrar passagens bíblicas batidas e sem originalidade. Eu tenho certeza que eu daria um sermão melhor do que o safado, até porque eu não foderia a paciência dos irmãos com uma porra de um discurso que se resumiria em apenas uma coisa: extorqui dinheiro.
Ele nos contou do sacrifico que Abraão. Disse-nos que Abraão daria (assassinaria) o que de mais precioso possuía, seu filho Isaque. Tudo isso seria feito para louvar o Criador. Portanto, Deus não queria somente cantos e danças, Ele até gostava de louvores e danças em Sua homenagem, mas Ele só poderia nos abençoar se O louvássemos com nossas carteiras. Um “sacrifício de fé.” Seu eu fosse Deus, eu o fulminaria ali mesmo.
- Dei o que você tem para Deus! – gritava o pastor. – Cem, oitenta, cinqüenta, quarenta, vinte, dez reais. Puxe seu talão de cheque! Hoje o Senhor quer ser louvado de outra maneira! Hoje ele quer uma prova de fé de seus filhos!
E vários auxiliares do pastor distribuíam envelopes azuis pela platéia. Eu me recusei a pegar, aliás, quase quarenta por cento da igreja se recusou a pegar o tal envelope. Eu adoraria ter uma caneta e um pedaço de papel naquele momento. Eu escreveria um montão de desaforos para aquele pastor otário e colocaria dentro daquele maldito envelope.
- Deus me falou que abençoará muitas vidas – continuava o cretino enquanto muitos irmãos davam Glórias a Deus e Aleluias. - Eu vejo portas de empregos sendo abertas, filhos sendo libertados das drogas, maridos livres da bebida, eu vejo Deus operando. Oh, glória Deus! Peguem os envelopes, ponham suas ofertas dentro e tragam aqui na frente.
Eu fiquei esperando o assalto terminar para depois voltar para casa, mas o ministro de Deus estava muito ofendido com os demais irmãos que se recusaram a pegar o envelope.
- Acho que alguns irmãos – disse-nos ele. – Ou não entenderam a palavra de Deus ou não acreditam mais nela. Os irmãos que se recusaram a adorar a Deus, com certeza devem estar sem dinheiro. – E aí o mal-caráter virou para os irmãos que tinham caído em sua conversa fiada e disse maliciosamente: – Os irmãos que vieram à frente, emprestem dinheiro para os irmãos que estão sentados.
Porra, aquilo foi o fim da picada! Não deu para segurar o ódio que começava a mover-se com a suavidade do magma um pouco antes da erupção. Era incrível como algumas pessoas podiam se rebaixar tanto. Os religiosos quase sempre são os mais sujos e imorais. Não era a toa que Daniel tinha tanta raiva de crentes. Porra, se eu fosse uma porcaria de um homem-bomba, certamente explodiria aquele antro de perdição. Nietzsche estava correto ao afirmar que igreja boa era igreja demolida. Mas que diabos de mundo é este em que eu vim parar? Por que diabos eu não podia ser o único habitante de um pequeno planeta tal como o pequeno príncipe? Só que ao invés de uma rosa melindrosa, eu teria uma garrafa encantada que nunca esvaziava por mais que bebêssemos dela várias vezes seguidas.
Então eu explodir. Ergui-me de meu lugar e caminhei, muito visivelmente irritado, rumo à saída. O pastor me fitou com espanto, e eu o fitei com um ódio mortal.
- O senhor é o maior filho da puta que eu já vi! – gritei apontando e sua direção antes de cruzar a porta em direção a rua escura.
Ouvi ainda ele gritar lá de dentro: - Sangue de Jesus te repreenda, Satanás!
Eu precisava de algo para beber.