sexta-feira, 25 de março de 2011

O VELHO CARREGADOR DA FEIRA




 Então uma senhora de curtos cabelos negros, enfiada numa saia até aos pés, subiu o desnível da calçada, colocou as mãos na cintura, olhou ao redor e perguntou:
- Isso aqui é uma feira?
Às vezes eu também me fazia esta pergunta. Mas estava evidente que se ali não fosse algo semelhante a uma feira, ao shopping é que não seria. Ou ela era doente mental, ou, mais provável, estava bêbada.
- Não, senhora – respondeu o feirante Beto com ironia. – Isso aqui é um shopping.
- Nossa! Imagine quanta caipirinha dá pra fazer com todo esse limão – comentou ela indiferente ao comentário, batendo com sua magra mão numa das sacas limões que vendíamos ali.
- Onde tem conhaque? – perguntou-nos ela aos berros logo em seguida.
Um velho carregador, que aguardava algum frete sentado sobre sua carrocinha de madeira, apontou na direção da lona azul que cobria a banquinha de bebidas de Dona Jadi.
- Obrigada! Eu te amo! Eu amo todos vocês!

Certamente o velho carregador já estava quase na casa dos sessenta e pouco. Sua barba rala, seus cabelos aparados rente ao couro cabeludo e sua pele cor de bronze estava numa tonalidade um pouco pálida naquele início de manhã. Todos estávamos no mesmo barco, preparados para afundar se fosse o caso sem implorar por socorro. Esse sentimento nos tornava fraternos.
Seus olhos negros e melancólicos nos transmitiam uma clara mensagem de cansaço beirando a exaustão. Sua aparência não era a das melhores. E quem ficava com uma boa aparência após uma noite inteira de trabalho numa feira-livre? Tio João amanhecia mais pálido do que um vampiro. Amanhecíamos cem anos mais velhos.
O movimento estava fraco na feira, então o velho carregador resolveu relatar um caso de infidelidade onde sua ex-esposa e ele eram os protagonistas.
- E eu que peguei a minha mulher sentada no pau do cara! – começou ele com suas pernas cruzadas, olhando displicente para o lado.
- Mas como foi isso? – quis saber Tio João.
- Eu tava voltando pra casa  – continuou o velho carregador com seu tom de voz calmo e despreocupado, um pouco arrogante também – quando ouvir uns gemidos vindo de dentro de casa. E como havia muitas brechas na parede, resolvi espiar através delas.
Ele fez uma pausa, depois descruzou as pernas, as separou uma da outra e simulou a posição de alguém em cima de um cavalo.
- E ela tava lá montada em cima da pica do marmanjo, filho mais criança do meu compadre.
E ele então começou a reproduzir o movimento, os sons e as expressões do rosto de sua senhora trabalhando em cima da jovem rola do rapaz. Sem dúvida alguma, uma  atuação perturbadora.
E o velho carregador seguia em sua atuação movimentando seu quadril esquelético de cima para baixo, de baixo para cima:
- Aí! Uí! Hã! Hã! Hã! Fode! Fode!
Alguém precisava o indicar ao Oscar.
- Agora me deu medo! – falou o feirante vendedor de verduras, Regis, se retirando para apanhar mais uma dose de conhaque na Dona Jadi.
- E aí o que tu fizeste com o moleque, Piauí? – perguntou meu curioso tio.
- Eu me vinguei dele – respondeu Piauí acendendo um cigarro.
- Mataste o filho do teu compadre? – perguntou meu incrédulo Tio João.
- Claro que não! Eu temo a Deus, João. E assassinato é coisa que eu não vou levar nas costas.
- Então o que tu fizeste?
- Passado algum tempo eu atrai o rapaz até a nossa casa quando minha esposa havia saído para comprar umas coisas na baiuca de seu Fernando. Seduzir o moleque e depois ele me deixou fizer sexo oral nele. Então eu chupei o pau daquele vagabundo pra minha mulher flagrar – respondeu ele com a maior naturalidade. – Foi aí que a vagabunda aprendeu a não sacanear com a cara de macho. E o rapaz aprendeu a não se meter com a mulher do próximo. Pense num pau gostoso! Eu não podia criticar minha esposa.
- Tu és um velho veado! – troçou Tio João meio que rindo meio que constrangido enquanto se afastava para atender uma freguesa e o velho Piauí oferecia seus serviços de carregador para a cliente que comprara duas sacas de limão paulista.

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