domingo, 21 de dezembro de 2008

Em busca da Fé

EU NÃO PODIA facilitar as coisas para traficante de merda, por isso, eu precisava manerar nos tragos. Dormir com porta e janela abertas era demasiado irresponsável e fatal. Vitória me caguetou para nossa mãe, e eu novamente prometi não me embriagar mais. “Tu tens que procurar uma religião, Álvares. Tu tens que acreditar em alguma coisa pra segurar a barra. Vou me virar pra conseguir uma consulta psicológica pra ti.” Disse-me mamãe numa de minhas raras visitas a ela. Era que eu odiava a fuça de Raimundo, um bêbado que vivia com minha velha e a sugava. Eu nunca consegui entender o porque dela ainda viver com ele depois de tudo o que aconteceu. Ela devia amá-lo demais. Enfim, eu prometi que freqüentaria um templo evangélico. Ela comentou que era a melhor coisa que eu faria na vida. Eu, durante a adolescência, costumava freqüentar essa ramificação do Cristianismo, entretanto, saí tão logo ler toda a bíblia, livro que eu achei por demais contraditório, intolerante, elitista e preconceituoso. Lewis Carrol com sua “Alice no País das Maravilhas” e Saint Exupéry com seu “Pequeno Príncipe” me falaram bem mais naquela época.

Arrumei-me, tomei o restante do vinho da noite anterior e saí.

A igreja estava lotada. Sentei-me na última fileira e fiquei observando o desenrolar do culto. Aquilo já estava me enfadando. Por duas vezes cochilei. O pastor era um sujeito baixo e gordo. Seu sermão dava mais voltas do que pneu de coletivo. Era um saco ter que ouvi-lo narrar passagens bíblicas batidas e sem originalidade. Eu tenho certeza que eu daria um sermão melhor do que o safado, até porque eu não foderia a paciência dos irmãos com uma porra de um discurso que se resumiria em apenas uma coisa: extorqui dinheiro.

Ele nos contou do sacrifico que Abraão. Disse-nos que Abraão daria (assassinaria) o que de mais precioso possuía, seu filho Isaque. Tudo isso seria feito para louvar o Criador. Portanto, Deus não queria somente cantos e danças, Ele até gostava de louvores e danças em Sua homenagem, mas Ele só poderia nos abençoar se O louvássemos com nossas carteiras. Um “sacrifício de fé.” Seu eu fosse Deus, eu o fulminaria ali mesmo.

- Dei o que você tem para Deus! – gritava o pastor. – Cem, oitenta, cinqüenta, quarenta, vinte, dez reais. Puxe seu talão de cheque! Hoje o Senhor quer ser louvado de outra maneira! Hoje ele quer uma prova de fé de seus filhos!

E vários auxiliares do pastor distribuíam envelopes azuis pela platéia. Eu me recusei a pegar, aliás, quase quarenta por cento da igreja se recusou a pegar o tal envelope. Eu adoraria ter uma caneta e um pedaço de papel naquele momento. Eu escreveria um montão de desaforos para aquele pastor otário e colocaria dentro daquele maldito envelope.

- Deus me falou que abençoará muitas vidas – continuava o cretino enquanto muitos irmãos davam Glórias a Deus e Aleluias. - Eu vejo portas de empregos sendo abertas, filhos sendo libertados das drogas, maridos livres da bebida, eu vejo Deus operando. Oh, glória Deus! Peguem os envelopes, ponham suas ofertas dentro e tragam aqui na frente.

Eu fiquei esperando o assalto terminar para depois voltar para casa, mas o ministro de Deus estava muito ofendido com os demais irmãos que se recusaram a pegar o envelope.

- Acho que alguns irmãos – disse-nos ele. – Ou não entenderam a palavra de Deus ou não acreditam mais nela. Os irmãos que se recusaram a adorar a Deus, com certeza devem estar sem dinheiro. – E aí o mal-caráter virou para os irmãos que tinham caído em sua conversa fiada e disse maliciosamente: – Os irmãos que vieram à frente, emprestem dinheiro para os irmãos que estão sentados.

Porra, aquilo foi o fim da picada! Não deu para segurar o ódio que começava a mover-se com a suavidade do magma um pouco antes da erupção. Era incrível como algumas pessoas podiam se rebaixar tanto. Os religiosos quase sempre são os mais sujos e imorais. Não era a toa que Daniel tinha tanta raiva de crentes. Porra, se eu fosse uma porcaria de um homem-bomba, certamente explodiria aquele antro de perdição. Nietzsche estava correto ao afirmar que igreja boa era igreja demolida. Mas que diabos de mundo é este em que eu vim parar? Por que diabos eu não podia ser o único habitante de um pequeno planeta tal como o pequeno príncipe? Só que ao invés de uma rosa melindrosa, eu teria uma garrafa encantada que nunca esvaziava por mais que bebêssemos dela várias vezes seguidas.

Então eu explodir. Ergui-me de meu lugar e caminhei, muito visivelmente irritado, rumo à saída. O pastor me fitou com espanto, e eu o fitei com um ódio mortal.

- O senhor é o maior filho da puta que eu já vi! – gritei apontando e sua direção antes de cruzar a porta em direção a rua escura.

Ouvi ainda ele gritar lá de dentro: - Sangue de Jesus te repreenda, Satanás!

Eu precisava de algo para beber.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Casa Nova

Escrever um livro não é fácil, mas prometer deixar de embocar copos é bem pior. Durante o tempo ausente, estive redigindo e revisando de forma compulsiva. Ainda houve uma mudança de setor, mudei-me para um setor barra-pesada: Cabanagem. O nome já sugere conflito, guerrilha, bala e o caralho a quatro! Daniel e minha irmã Vitória apareceram para uma visita. Eu estava bêbado e tentava escrever uma merda de poema que acabou por não sair. Vitória ficou muito irritada, pois eu havia prometido para nossa velha que nunca mais viraria um maldito copo de qualquer tipo de bebida alcoólica, eu nunca fui um bom cumpridor de promessas, e ainda por cima tenho uma memória péssima. Na verdade, eu não lembro de quase nada daquela noite; só lembro de Vitória fritando ovos e Daniel falando-me de sua antiga paixão que havia o chutado fazia cinco anos e uma oportunidade de emprego em alguma loja do Comércio. Ele também ia alto na bebida. Ouvíamos músicas espanholas. Eu adorava músicas espanholas como vocês devem saber, e Daniel havia descoberto um grupo argentino que me agradava muito as letras e o ritmo: Iguana Tango. Vitória me serviu os ovos, eu coloquei bem farinha e pimenta de cheiro. O prato devia está ótimo, embora eu não conseguisse lembrar do gosto. Vitória e Daniel se foram após eu pedi inúmeras vezes para que eles ficassem e dormissem ali comigo. Diabos! Eu estava me sentindo solitário e depressivo. Sempre acontecia isso quando eu misturava mais de um tipo de bebida.
Despenquei na cama de roupa e tudo, olhei para o teto e para as paredes brancas da nova casa alugada, estranhei o ambiente e adormeci em seguida.

***

Acordei por volta das 03h45min da madrugada com uma sede infernal. Sequei duas jarras de água, senti vontade de vomitar. Alarme falso. Ainda havia quase uma garrafa de vinho ordinária na geladeira. Destampei e tomei um gole. E aí eu vomitei em seguida, deitei-me na rede da sala enquanto ouvia alguém negociar drogas com um motoqueiro na frente de minha janela fechada. Caralho aonde eu vim me meter!, pensei cá comigo.
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