domingo, 11 de dezembro de 2011

Marilia estava naquele aniversário

Miró
Ela estava naquele aniversário. Com aquela sua linda face de expressões suaves e fortes. Ela estava vestindo seus curtos trajes apertados. Ela já não estava na sua forma magra de ser. Mas continuava muito gostosa. Sua bunda era enorme e seus seios volumosos, no entanto, seus olhos tão negros estavam tão tristes naquela noite nublada que me senti como apanhado pelo uma irresistível vontade de tê-la em meus braços, para possuí-la como sua alma estava necessitando. Seu nome era Marilia.
- Álvares! Pensei que tu não viesses para o aniversário do teu tio – falou-me ela dirigindo-se até onde eu estava sentado mais meu amigo Daniel e meu tio João.
- Oi, Marilia – respondi levantando-me de minha cadeira, dando um lindo gole na minha cerveja que estava no copo e a envolvendo em um forte abraço para muito além de caloroso. – Saudades de ti, minha querida.
Na noite anterior, Marilia havia levado uma bela surra de seu marido, que era sargento da polícia quando este soube de alguns casos envolvendo sua mulher em relações sexuais com amigos de seus amigos. Isso deu a maior merda e Marilia ainda tentou se justificar, mas quanto mais ela falava mais seu marido se enfurecia e a enchia de porrada. Seus dois filhos, uma menina de oito e um menino de dez, assistiam todo o quebra-pau assustados, porém aquela rotina já lhes eram estranhamente familiar. E agora eles estavam separados. Marilia estava sofrendo, e muito revoltada ficou quando uma grande amiga sua pediu para ela ir denunciar o sargento para a justiça. Até parece que ela teria coragem de fazer uma palhaçada dessas com o pai de seus filhos “que nem estava em seu juízo perfeito”.  Afirmou-me ela depois. E claro que eu concordei com ela.
- Você parece tão triste, Marilia – reparei – Por que você está tão triste?
- Me separei do Nelsão, o meu marido... – respondeu-me ela.
- Uma pena...
- Pois é... mas não quero ficar pensando nisso agora, Álvares. O que passou-passou. Por isso vim pra esse aniversário, pra esquecer aquele filho-da-puta.
E assim a noite seguiu em frente, como sempre acontece.  Marilia estava bebendo demais e as cervejas logo se esgotaram. Daniel havia sido apresentado para uma amiga de Marilia e estava a ponto de se mandar com a garota quando resolvemos comprar mais uma grade de cervejas. Todos ficaram muitos felizes e bebemos e bebemos até ficarmos embriagados. Meus abraços logo viraram beijos calorosos e minhas mãos exploravam toda a extensão daquele corpo. Foi quando tio João me chamou de canto:
- Já estou querendo dormir, Álvares – falou-me ao ouvido. – Leva a Marilia para a tua casa.
- Tudo bem – eu disse.
E assim, deixamos o aniversário de tio João. Éramos um grupo de quatro.
A noite foi intensa, ainda tomamos mais algumas cervejas antes de eu levar Marilia para minha cama e Daniel levar Isadora para o surrado sofá da minha minúscula sala. Marilia sabia como tocar em um homem. E transamos durante a noite toda. Seu corpo, estava com alguns hematomas, resultados da briga com seu marido. Seus olhos negros e tão vivos estavam roxos ao redor, e seu rosto estava levemente enxado. Ela estava dramaticamente linda. E ela me olhava dentro dos olhos e acariciava-me rosto. Logo depois, o sol subiu e Marilia precisava ir embora, pois havia deixado seus dois filhos na casa de sua mãe.
- Até mais, Álvares – falou-me Marilia a se despedi a porta de casa.
- Até mais, Marilia – respondi.
- Vamos Isadora? – chamou Marilia.
- Até outro dia, Daniel – falou Isadora.
          - Até outro dia, Isadora – respondeu o outro.

Ainda havia três cervejas na geladeira. Abrimos uma, enchemos os copos e bebemos.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Como duas almas penadas


Era noite quando resolvemos sair para tomar uma gelada. Tudo parecia escuro e sem movimento. Daniel e eu vagávamos pelas ruas do Ver-o-Peso como duas almas penadas. Sem rumo, em busca de vida e sentido. Não havia bar e nem estabelecimento algum que vendesse álcool, aberto. Era desesperador. Mesmo assim continuávamos...
Numa esquina, encontramos um senhor, que tal como nós estava a fim de encontrar vida naquelas ruas sem vida. O bando aumentou.
Descemos até a boate B Vermelho, por sorte, estava aberta e cheia de putas bonitas e bebidas. Nosso amigo resolveu pagar todas e nós bebemos até altas horas da madrugada. Daniel queria se deitar com alguma daquelas putas. Eu só queria beber e de alguma forma parar de pensar. Não queria pensar em comer puta, não queria pensar que não havia mais dinheiro para a próxima gelada, pois nosso amigo pagador já havia saído mais uma puta de feições delicadas e bundinha torneada para algum motel na puta-que-pariu; eu não queria pensar que Regiane continuava a me causar estranhas saudades, embora ela já estivesse casada, com filhos e morando longe pra diabo da possibilidade de um abraço...
Eu estava exausto e louco para explodir.
Não havia mais cerveja, não havia mais dinheiro, não havia mais nada. E eu continuava a pensar em meus problemas e agora eu havia arrumado outro problema, o problema de não ter mais cerveja.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

ATRAVESSANDO A BAÍA DO MARAJÓ


Foto: panoramio.com


por Walter Luiz Jardim Rodrigues

Atravessar a baía do Marajó além de ser demorado em embarcações de madeiras conhecidas na região como “navio-gaiolas”, era também um teste para o estômago do caboclo. O barco jogava para todos os lados e não raras vezes as águas invadiam o convés obrigando os passageiros a se levantar para acudir suas bolsas, que viajam ao chão, abaixo de suas redes. Algumas senhoras e até mesmo alguns senhores, às vezes, entram em pânico. Muitos choram e rezam para o divertimento dos demais passageiros acostumados com aquelas “pavulagens” da baía.
Naquela mesma embarcação viajavam dois primos. Uma nunca tinha encarado a travessia; já o outro, era macaco-velho. Felipe e Rogério, assim eram os nomes dos dois rapazes. Felipe, muito nervoso, estava prestes a se cagar nas calças.
- Rogério! – dizia Felipe ao outro. – Tu ainda tens aquela garrafa de cachaça?
- Tenho sim, primo! – respondeu o outro. – Tá lá dentro da minha valise.
- Vamos abrir pra tomar um pouco? Pra passar o frio, esquentar o corpo... hehe.
- Vou pegar lá e já volto.
- Valeu, primo!
A noite se fazia mais escura quando se atravessava a baía do Marajó, e os ventos não eram de brincadeira. Mas após alguns goles, Felipe já até estava se divertindo com todo aquele balanço e estrondo de ondas que faziam as estruturas do barco ranger.
Algum tempo depois, surgiu uma garota magra de cabelos lisos e louros. Todos os passageiros estavam em suas redes naquele horário da noite. Somente Felipe e seu primo Rogério estavam sentados naquela pequena área do barco, uma espécie de salão de festa, localizada na parte da popa da embarcação, reservada a lanchonete e ao bar simultaneamente. Só que naquele horário da noite já estava fechado. Bem, agora eles não estavam mais sozinhos. A garota parecia chateada com alguma coisa.
- Se um cara aparecer por aqui – disse a garota aos rapazes com gestos afobados - perguntando por mim, diga que eu já desci. Vou me esconder aqui no banheiro.
Logo em seguida um rapaz baixo e entroncado apareceu olhando ao redor.
- Passou alguma garota por aqui? – perguntou ele.
- Passou sim, cara – respondeu Rogério. – Mas ela desceu ainda pouco.
- Valeu, cara. Ela deve ter ido se deitar na rede dela. Boa noite.
- Boa – responderam os dois.
Assim que o rapaz desceu, a garota saiu de fininho de dentro do banheiro.
- Porra! – disse ela aos rapazes em seguida. – Pensei que aquele otário não fosse descer. Ele tava querendo ficar comigo. Tava insistindo, se humilhando... Eu não gosto dessas palhaçadas! Parece que o cara não tem orgulho próprio.
- Sente-se e beba com a gente – sugeriu Rogério.
- O que vocês estão bebendo? – perguntou ela.
- Cachaça – respondeu naturalmente Felipe, que estava deitado em um banco com os braços cruzados sobre sua face.
- Forte demais! – comentou ela a Rogério. - Que dizer que vocês são machões, então? Mas aquele ali já estar desbundado.
- Eu tô com muito sono… E minha cabeça tá doendo - se lamentou Felipe.
- Esse cara é um mala! Me passa logo um gole aí, seu veadinho! – respondeu ela, mas Felipe apenas ficou ali deitado, então Rogério pegou a garrafa e passou imediatamente a ela.
Ela deu dois goles dignos de um cachaceiro de esquina e passou a garrafa para Rogério, que deu os seus goles também sem tirar os olhos de cima daquela garota incomum como que querendo se convencer de que ela era real.
- Porra lá vem o cara de novo! – observou a garota indignada. - O fodido já me viu!
O rapaz estava sem camisa, apenas de bermuda. Era robusto e de expressões melancólicas. Um cara que nasceu com todos os atributos físicos e psicológicos para ser um corno manso. Ele a chamou de canto. Ela foi até ele irritadíssima. Sentaram-se num banco, um do lado do outro. Ele passava a mão sutilmente nos cabelos dourados e acariciava com as pontas dos dedos a face fina da garota dizendo suavemente a ela, quase que num sussurro: “Vamos descer, gata. Pare de beber essa bebida forte. Pode fazer mal pra ti.  Esses caras aí são uns cachaceiros. Não se misture com eles...”
- Eu vou ficar aqui! – respondeu ela quase gritando. – Estou bebendo e vou continuar bebendo com eles. Tu não mandas em mim!
O rapaz abaixou e coçou a cabeça. No entanto, os dois permaneciam sentados. Nenhum se ergueu. Rogério e Felipe observavam a certa distância.
- É cara – sussurrou Felipe a seu primo. – E lá se vai a nossa puta. Eu vou é procurar minha rede e dormir o que é.
Mas Rogério não compartilhava da mesma opinião. Talvez, por isso, ele achou de se aproximar dos dois e parar quase em cima deles. O rapaz olhou para Rogério com receio e manteve-se alerta. Porém, Rogério simplesmente ofereceu sua garrafa de cachaça, no que o outro recusou imediatamente.
- Se ele não quer, eu quero!  - disse a garota tomando a garrafa das mãos de Rogério e a levando com paixão até seus lábios finos e vermelhos, sugando aquele líquido transparente como se fosse água de nascente.
Então Rogério tomou uma atitude instintiva, quase brutal. Puxou a garota pelo braço a colocando de pé para imediatamente envolver sua estreita cintura num abraço para lá de colado. E para finalizar sua abordagem cinematográfica: um belo beijo chupado de língua! O rapaz que assistiu o desenrolar da cena numa mescla de surpresa e vergonha, se levantou muito atordoado e sem dizer uma palavra, resolveu se retirar por fim.
Felipe estava sentado observando aquilo tudo com um ar de incredulidade e fascínio. Quem diria que Rogério com todo aquele seu jeitão tímido e calado fosse capaz de chegar numa mulher daquela maneira.
- Beija um pouco o meu primo – disse Rogério de repente para garota.
- O quê? – perguntou ela olhando na direção de Felipe.
- Quero que tu fiques também com ele – respondeu ele.
- Então eu quero que vocês me mostrem as picas – sentenciou ela.
- Por que tu queres ver nossos paus? – perguntou Felipe.
- Quero ver o tamanho deles – respondeu ela dando mais um gole na boca da garrafa, que já estava quase no final. – Quero ver se vale a pena.
Felipe se ergueu rapidamente do banco e quando já começava desabotoar a calça jeans, parou e a abotoou novamente dizendo:
- Tu és uma doida!
E deitou-se novamente com os braços cruzados sobre a sua face larga.  
      - Bom – respondeu ela, maliciosamente -, quando um cara tem medo de mostrar o pau é porque o pau é pequeno. O dele – e apontou na direção de Rogério - é médio. Sabe, a gente conhece o tamanho pelo monte que forma na frente da calça. E o teu é pequeninho mesmo. Nem precisa me mostrar.
- Não é que seja pequeno, sua puta! – reagiu Felipe bastante indignado – É que tá muito frio aqui!
Rogério e a garota sorriram bastante. Felipe ficou muito encabulado.
- Vou te mostrar o meu pau então! – disse ele avançando pra cima dela a abraçando e a beijando até seu pau ficar duro. Coisa que não demorou muito a acontecer.
Rogério estava esfregando seu pau mediano na bunda da garota e beijando seu pescoço, enquanto Felipe esfregava seu pau pequeno na parte da frente da garota a beijando na boca. Era um sanduíche de bêbados, sem dúvida.
- Chupa a minha pica! – ordenou Felipe no calor do momento.
- E a minha também, caralho! – disse Rogério.
Mas a garota queria algo em troca dos dois. Ela queria que eles se beijassem na boca.
- Bem que tu disseste que essa vagabunda era doida, Felipe – se irritou Rogério deixando se pau mediano amolecer na hora.
- Vocês dois estavam juntos desde que entraram no barco – continuou a garota se sentindo cheia de razões e visivelmente irritada por ver sua mísera vontade negada de maneira tão áspera. – Só pode ser um casal! Eu pensei. E não tem nada haver vocês se beijarem aí pra eu ver. Isso me dá muito tesão, sabiam?
- Foda-se, puta-escrota! A gente é primo!– gritou Rogério apontando o dedo na face da garota.  
- Primos também se casam e constituem até família, seu jegue. Um beijo não vai matar e nem fazer de vocês menos homens. Depois vocês podem me comer até enjoar.
Felipe que estava calado desde o início daquela negociação, talvez pensando no assunto de forma mais aberta e tranquila do que seu primo, resolveu finalmente opinar:
 - Que frescura é essa, Rogério – começou Felipe com um sorriso incomum. – A garota não tá pedindo nada demais, cara. Esse negócio de ficar bancando o machão já não tá com nada. Tu não te lembras de quando a gente era moleque?
- Primo, que papo de veado é esse? Tô começando a te estranhar?
- Temos que ter a mente aberta. Viver a vida louca! Beber em todas as fontes e cheirar todas as rosas! Tens que ser moderno, seu caboclo do mato! Sei que tu tens vontade de liberar o outro lado da moeda. Todo mundo tem pelo menos curiosidade.
- Eu já fiquei com várias primas e primos – ajuntou a garota. – E gostei muito.
Depois se fez um silêncio. Para deixar Rogério se decidir. Mas ele apenas olhava para o seu primo de forma assustada e decepcionada. Olhava para a garota e a odiava com todas as forças. Entretanto, Felipe acreditou que Rogério estivesse apenas sem coragem para se decidir, e por isso, se aproximou dele com muito ardor:
- Vem cá e vamos acabar logo com isso! – disse Felipe envolvendo Rogério pela cintura com a mão direita, e com a mão esquerda segurando com força a nuca de seu primo, enquanto seus lábios lançavam-se aos lábios do outro com uma velocidade voraz impressionante.

Seus familiares não acreditavam que Rogério fosse capaz de tomar uma atitude daquelas. Quebrar a cabeça do próprio primo com uma garrafa de vidro e ainda por cima ter o sangue frio para atirá-lo no meio da baía. Por sorte a garota havia corrido até a cabine do capitão para avisar que uma briga entre dois jovens alcoolizados estava ocorrendo na parte de trás do barco por sua causa. Briga por ciúmes. Mas ela garantiu que não tinha dado confiança para nenhum dos dois. Apenas parou para pedir uma informação, mas foi obrigada a aceitar um gole da bebida que eles muito forçadamente haviam lhe oferecido. Mais por medo do que por outra coisa ela ficou por ali, fingindo que bebia. Depois veio a confusão.
- Mas até eu faria a maior confusão pra ficar contigo, minha filha – gracejou o capital dando um leve beliscão na perna da garota após terem embarcado o pobre Felipe e trancafiado Rogério, muito custosamente, dentro de um camarote.
- Te enxergar, velho tarado! – respondeu ela com desprezo. – Tens idade pra ser meu avô. Vou é dormir o que é antes que me estuprem! Nessa viajem só embarcou maníacos!
 O capitão apenas sorriu observando a bela bunda da garota que se distanciava num requebrado excitante, provocativo. Depois voltou para o seu timão. A viagem atrasaria em uma hora.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Encontro com Suzan



Por Deividy Corrêa 
e
Walter Rodrigues

Entro no ônibus. Meu destino? Encontrar ela. Lembro-me do dia em que a conheci, era para ser mais um dia típico. Foi quando encontrei pela rua um colega dos tempos nublados de igreja.
- Vai onde agora? – perguntei.
- Vou ali na casa de uma amiga – respondeu- me Charles.
Charles era magro, quase branco, estatura mediana, corpo de adolescente de uns 14 anos, apesar de termos a mesma idade: 22. Aliás, sua mente também era um garoto de 14 anos, mas era um cara legal.
- Tá a fim de ir lá? – perguntou-me ele.
- Vamos lá então!
Chegando lá decidi ficar esperando no portão. Não demorou muito para ele me chamar. Abri o portão subi um lance de escada, que finaliza em sala típica: sofás e televisão sobre uma estante. Charles apresentou-me sua amiga:
- Prazer, Davi.
- Suzan – respondeu-me ela.
Charles pediu um copo com água e no mesmo instante que ela foi buscar ele me perguntou:
- O que achou da morena?
A resposta veio em minha mente: “Lasciva”.
Acabei nem respondendo pra ele, fiquei só pra mim. Ela era morena, mais baixa do que eu, pernas torneadas, cabelos pretos e reluzentes, um sorriso arrebatador e dona de um olhar que disparava sensualidade. Única capaz de despertar em você sentimento e desejo em proporções extremas.
Quando ela voltou sentamos e conversamos sobre vários assuntos, informática foi o primeiro. Expliquei-lhe como funcionava o processador de seu computador. Depois conversamos sobre literatura, meu assunto favorito. Logo nos identificamos e Charles ficou distante na conversa. O cara nunca tinha lido um livro na vida. Situação comum em Belém, onde infelizmente o conhecimento é centralizado assim como o poder aquisitivo. E a maioria das pessoas não tinham bons incentivos em casa, na escola, na televisão.  O mais comum era que ninguém mostrava o mínimo interesse em buscar conhecimento. É mais fácil perder tempo na frente de uma TV, pensando coisas que outros querem que você pense sem que você precise pensar por si só.

No aniversário de Suzan, dei-lhe de presente um exemplar de um clássico da literatura universal Crime e castigo de Dostoievski. Afinal, por várias vezes tinha comentado sobre este livro em nossas conversas. Lembro-me de umas de nossas empolgantes conversas sobre literatura, perguntei se ela já tinha lido Dostoievski e Nietzsche. Disse que já tinha ouvido falar. Então resolvi apresentá-los a ela literatura de verdade.
Depois de alguns encontros e conversas intensas acabei gostando dela, tornou-se minha musa. Não demorou e poemas românticos foram escritos idealizando-a. Era incrível como nossos espíritos entravam em sintonia, impossível não nos agradarmos um com o outro. Falávamos de nossos relacionamentos passados que tiveram finais frustrantes, análises sociais, músicas latinas; ela gostava de italiano e eu de espanhol, mas gostava também de italiana e francesa e vice-versa, e claro, também de música clássica.
No final de uma de nossas conversas disse que ela estava no seleto grupo das mulheres interessantes, que nos enlouquecem e que nos deixam numa síndrome incurável de querê-la tanto. Sempre tive a noção de que as musas nunca ficam com os poetas, e sim com os “homens de verdade”, que as não ouvem e nem as enxergam de verdade, que geralmente não se importam com que elas pensam, as desconhecendo em absoluto. Apenas um copo bom que se sairá bem na cama. Eles não podem amá-las de verdade, pois do contrário, eles é que não serão amados de volta. As mulheres precisam de homens assim, e com eles elas se casam. Talvez elas não queiram que eles as descubram plenamente

Finalmente chego a seu encontro. Marcamos em um cinema (Cine Olímpia) que, um tempo antes estava abandonado pela prefeitura. Nos tempos faustos da borracha o cinema era a atração mais disputada pela elite local. A maioria das famílias gastava o que não tinha para comprar belos vestidos para suas moças solteiras impressionarem seus possíveis pretendentes (geralmente um cara podre de rico, ou, na pior das hipóteses, apenas um cara rico).
Ao encontrá-la a abracei e perguntei como estava. Ela me respondeu que estava bem. Eu fiquei muito melhor ao encontrá-la. Assistimos ao um filme polonês com a temática sobre perfume, o nome do filme era “Jasminum”. Sentamos um ao lado do outro. Senti vontade como sempre de abraçá-la, protegê-la do frio, sentir seu cheiro, beijá-la de um jeito que jamais foi beijada e em seu ouvido sussurrar que adorava sua companhia. Todavia, só era vontade, muita vontade... Faltava-me atitude.
Depois do filme a convidei para lanchar. Enquanto comíamos uma pizza, falávamos sobre o filme. E no meio da conversa falamos sobre o que faltava para ficarmos juntos. Era até meio difícil de entender. No final nos despedimos, tínhamos caminhos diferentes. Mas antes, eu disse em seu ouvido:
- Sabe o que faltou? Uma chance.
Suzan ficou sem resposta. Suzan é do tipo da garota que se fecha para as pessoas que se aproximam dela. E uma dessas pessoas, pode um dia ser o amor de sua vida, o que ela sempre esperou. Uma vez lhe perguntei:
- Você foi já amada de verdade?
- Não – respondeu-me ela secamente.
Não precisei nem explicar a pergunta. Eu disse, que se dependesse de mim isso mudaria. Queria amá-la de verdade como ninguém antes amou. Mas é aquela velha história… as musas nunca nos escolhem.
E lá se foi ela em direção oposta a minha. Mais uma vez fiquei me perguntando... E lembrei-me de uma das letras de Leoni, que diz assim:

“Eu tenho o gesto exato, sei como devo andar
Aprendi nos filmes pra um dia usar
Um certo ar cruel de quem sabe o que quer
Tenho tudo planejado pra te impressionar
Luz de fim de tarde, meu rosto encontra luz
Não posso compreender, não faz nenhum efeito
A minha aparição será que errei na mão
As coisas são mais fáceis na televisão...”

Sei que como a maioria dos românticos sou um fracasso. Mas ainda assim adoro ser um.
No ônibus voltando para casa, ainda sentia sua presença. Às vezes, chegava demorar um dia para eu perceber que ela já não estava mais do meu lado. Aquele encontro com Suzan não queria se desfazer de minha memória. Estava impregnado em mim. Suzan o tipo de garota que nos ensina a amar, mas não nos ensina a esquecer.
No caminho de casa decidi parar em um bar, daqueles meio decadentes e apertados, onde o banheiro era um verdadeiro pós-guerra, mas em compensação bastava eu levantar o dedo que atendente já aparecia com outra “loira e gelada”. E olha que eu já tinha bebido em bares burgueses, onde os garçons sempre demoravam em nos trazer uma cerveja. Eu queria beber e lembrar aquele meu encontro com Suzan.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Almoçando no Restaurante Popular




Era um enorme espaço. Na entrada e na saída, portas de vidro. Uma rampa dava acesso aos deficientes de cadeira de rodas e um jovem funcionário guiava os cegos. Inúmeras e idênticas cadeiras e mesas de plásticos ocupavam todo o imenso salão. Um enorme e branco forro PVC, além das habituais lâmpadas florescentes, abrigavam câmeras quase imperceptíveis. Duas grandes televisões exibiam o noticiário local, enquanto vinte ventiladores de parede lentamente negavam algo. E uma fila enorme se estendia da entrada a copa.
- Dois almoços – pediu Raimundo no caixa informatizado.
A impressora imprimiu duas notas amarelas. Passamos em uma catraca eletrônica e continuamos na fila.
- Parece que estão dando comida de graça - comentei.

Raimundo sorriu.
Quando éramos crianças, Raimundo nos aterrorizava com seus porres. Eu devia ter por volta de meus quatorze anos quando Raimundo chegou em casa caindo de bêbado. Ele sempre fazia a maior confusão por besteira. Eu o odiava por isso.
- Carmem! – gritava ele atirando o prato de comida contra a parede. – Esta comida está uma porcaria! Parece que tu nem sabes cozinhar!
Durante meus onze, doze e até treze anos eu suportei os excessos de Raimundo. Eu sempre torci para que minha velha encontrasse alguém capaz de fazê-la esquecer meu pai. Então pareceu Raimundo. Ele não era um cara de todo mal, mas não podia colocar o primeiro copo de cachaça na boca. Depois disso se tornava insuportável e violento. Vovó Conceição já havia avisado que o deixaria com mais furos do que um crivo. Ela provavelmente teria coragem para isso.
Certa tarde Raimundo apareceu como de costume bêbado e valente. Disse ser o Satanás encarnado, e que estava sedento por sangue. O hijo de puta queria nada mais nada menos do que o meu sangue. Mamãe lhe deu uma cagada segura na cabeça, e ele respondeu lançando uma panela de pressão que fervia ao fogo em sua direção. Mamãe recolheu-se para dentro do banheiro e a panela se chocou com força na parede espalhando feijão para todo lado. Ele nos deixaria com fome naquele dia. Caminhei com passos firmes em sua direção e lhe apliquei uns socos seguros na cara. Ele ia recuando em direção a porta à medida que eu lhe aplicava uma série de chutes a altura do abdome. Eu naquela época tinha um chute alto e potente. Então eu o encurralei à porta e lhe apliquei um chute com a palma do pé bem no meio de sua cara bêbada, no que ele chocou-se contra a porta fechada a arrancando do lugar e caindo pesadamente sobre ela na calçada de casa. Certamente o Satanás que estava encarnado em seu corpo havia se transportado para o meu. Eu queria ver o crânio de Raimundo esmagado, e por isso cuidei de ajuntar uma enorme pedra e quando ia lançá-la em sua cabeça, fui impedido por um vizinho que me agarrou pela cintura e me lançou dentro de sua casa me trancando em seguida. E eu andava de um lado para outro gritando para me saltarem, dando chutes na grade que me impedia de liquidar Raimundo que me olhava com um sorriso de escárnio na cara.
Depois daquele episódio, minha velha resolveria mudar-se do bairro. Ela me explicava que Raimundo era um digno de pena, que a culpa não fora dele e sim de Tia Maria por ficar inventando fofocas a respeito dele. Que a panela de pressão ele não jogou para pegar nela, que deveríamos oferecer uma segunda chance para as pessoas, que Raimundo mudaria, ele estava arrependido e até estava freqüentando as reuniões do A.A. Quanto mais ela falava mais ódio eu sentia dele e mágoa dela. E numa manhã ela arrumou suas coisas e de Vitória num caminhão e partiu para nunca mais voltar a morar ali. 

Restaurante do Povo assim se chamava o lugar. O programa que visava erradicar a fome no país não obteve os resultados esperados, e ainda havia muita gente passando fome. Aquele restaurante popular fazia parte do programa. De qualquer forma, ele diariamente erradicava a fome de milhares de trabalhadores do comércio. Para todos os lados se via gente com seus uniformes. Uns usavam vermelho, outros amarelo, outros azuis. Enfim, cores demais para meus olhos.
Dois reais e alguns minutos na fila eram o preço. Com dez reais se dava pra comer cinco dias ali. Eu não gostei de ficar na fila.
E as pessoas comiam e conversavam, mais conversavam do que comiam. Vozes velozes vagamente decifráveis violentavam meus ouvidos. Por que as pessoas falavam tanto? Talvez para dar escape a alguma forma de pressão.
O lugar era terrivelmente asséptico. Você poderia beber água nos sanitários sem problema algum. Eu não estava com sede.
Então seguimos até a copa, vagarosamente. A fome aumentava, e eu observava. Entreguei minha nota e peguei uma bandeja de alumínio, os talheres e um copo plástico. Pousei minha bandeja num balcão de alumínio e caminhei de atendente a atendente.
Duas colheres de picadinho com batata, uma de macarrão e uma banana. Raimundo tentou pegar uma banana a mais. Não conseguiu.
- É uma pra cada – disse-lhe a atendente, rispidamente.
Raimundo trajava uma camisa branca de botões amarelados, calça jeans e um par de sapatos preto. A barba por fazer, os cabelos cortados rente ao couro cabeludo e sua pele escura tinha um aspecto patologicamente amarelada. Ele estava se recuperando de uma enfermidade. E eu não ia de forma alguma com sua cara. Na realidade eu não ia com a cara de quase ninguém. Mas, no caso dele eu tinha motivos de sobra para não ir. Encontramos-nos por acaso naquela manhã. Ele estava tentando uma indenização por acidente de trabalho, e eu estava tentando conseguir um emprego. Sim, um emprego. Uma amiga de Vovó Conceição trabalhava na casa do dono de uma empresa de informática como doméstica. E como eu tinha cursos relacionados, minha avó pediu para que sua amiga levasse o meu currículo e desse uma “forcinha” junto ao seu patrão. Ela garantiu que conseguiria alguma coisa ainda naquela semana. Pois, a esposa de seu patrão, era-lhe uma grande amiga, uma coração sem tamanho.
Então Raimundo convidou-me para almoçar. Eu aceitei.
Sentamos e comemos em silêncio, enquanto as vozes mescladas soavam como milhares de abelhas dentro de minha cabeça.
- Já vou, Raimundo – disse-lhe após a refeição.
- Já?!
- Já. Obrigado.
- E o emprego?
- Volto lá depois... o patrão não tava no escritório... Disseram-me que ele retornaria depois do almoço.
- Ainda é cedo.
- Eu sei... Vou matar o tempo na biblioteca.

Na avenida Presidente Vargas o movimento era intenso. Muitas pessoas indo. Muitas pessoas vindo. Eu ia pra uma entrevista de emprego e vinha da Biblioteca Pública do Estado. O sol nos dissolvia e as mangueiras compensavam com suas frondosas sombras. Havia túneis de mangueiras em muitas vias de Belém. Para todos os lados havia olhos, olhos que não enxergavam. Olhos civilizados.
Então eu enxerguei um senhor sentado na frente de uma loja. Ele parecia absolutamente concentrado em uma caixinha de papelão pousada sobre suas pernas. Constantemente ele arrumava algo no fundo da caixa. Aproximei-me e vi dois cachorrinhos. Eram dois belos cachorrinhos: um branco e um bege. Ignorava a raça dos dois. Deviam ser da mesma raça.
- O jovem quer compra um? – perguntou-me o senhor moreno e grisalho de olhos amendoados.
- Estou liso – respondi.
- Hum...
- São lindos.
- E são mesmo. A mãe deles teve sete! Uma bela barrigada. Quase todos machos. Estes dois aqui são fêmeas... Ninguém quase compra as fêmeas.
- Dão trabalho.
- Mas é só vacinar e aí elas não embucham.
- De qualquer forma dão trabalho. Eu gosto muito de cachorros, mas não gosto de ter trabalho.
- E quem é que gosta?
- Até mais, senhor.
- Até.
E subi, lentamente, a Presidente Vargas rumo ao escritório para mais uma de minhas entrevistas de emprego. Dessa vez eu havia sido indicado e falaria direto com o patrão. Entretanto, eu não tinha a menor esperança de conseguir. Talvez por não querer conseguir.

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Capítulo 24 extraído do romance "Correndo atrás", Walter Rodrigues. Ed. Multifoco, RJ, 2009

quarta-feira, 30 de março de 2011

World Poetry Day 2012 // Bloggers Unite



 Para promover a leitura, escrita, edição e ensino da poesia em todo o mundo.

To promote the reading, writing, publishing and teaching of poetry throughout the world.

sexta-feira, 25 de março de 2011

O VELHO CARREGADOR DA FEIRA




 Então uma senhora de curtos cabelos negros, enfiada numa saia até aos pés, subiu o desnível da calçada, colocou as mãos na cintura, olhou ao redor e perguntou:
- Isso aqui é uma feira?
Às vezes eu também me fazia esta pergunta. Mas estava evidente que se ali não fosse algo semelhante a uma feira, ao shopping é que não seria. Ou ela era doente mental, ou, mais provável, estava bêbada.
- Não, senhora – respondeu o feirante Beto com ironia. – Isso aqui é um shopping.
- Nossa! Imagine quanta caipirinha dá pra fazer com todo esse limão – comentou ela indiferente ao comentário, batendo com sua magra mão numa das sacas limões que vendíamos ali.
- Onde tem conhaque? – perguntou-nos ela aos berros logo em seguida.
Um velho carregador, que aguardava algum frete sentado sobre sua carrocinha de madeira, apontou na direção da lona azul que cobria a banquinha de bebidas de Dona Jadi.
- Obrigada! Eu te amo! Eu amo todos vocês!

Certamente o velho carregador já estava quase na casa dos sessenta e pouco. Sua barba rala, seus cabelos aparados rente ao couro cabeludo e sua pele cor de bronze estava numa tonalidade um pouco pálida naquele início de manhã. Todos estávamos no mesmo barco, preparados para afundar se fosse o caso sem implorar por socorro. Esse sentimento nos tornava fraternos.
Seus olhos negros e melancólicos nos transmitiam uma clara mensagem de cansaço beirando a exaustão. Sua aparência não era a das melhores. E quem ficava com uma boa aparência após uma noite inteira de trabalho numa feira-livre? Tio João amanhecia mais pálido do que um vampiro. Amanhecíamos cem anos mais velhos.
O movimento estava fraco na feira, então o velho carregador resolveu relatar um caso de infidelidade onde sua ex-esposa e ele eram os protagonistas.
- E eu que peguei a minha mulher sentada no pau do cara! – começou ele com suas pernas cruzadas, olhando displicente para o lado.
- Mas como foi isso? – quis saber Tio João.
- Eu tava voltando pra casa  – continuou o velho carregador com seu tom de voz calmo e despreocupado, um pouco arrogante também – quando ouvir uns gemidos vindo de dentro de casa. E como havia muitas brechas na parede, resolvi espiar através delas.
Ele fez uma pausa, depois descruzou as pernas, as separou uma da outra e simulou a posição de alguém em cima de um cavalo.
- E ela tava lá montada em cima da pica do marmanjo, filho mais criança do meu compadre.
E ele então começou a reproduzir o movimento, os sons e as expressões do rosto de sua senhora trabalhando em cima da jovem rola do rapaz. Sem dúvida alguma, uma  atuação perturbadora.
E o velho carregador seguia em sua atuação movimentando seu quadril esquelético de cima para baixo, de baixo para cima:
- Aí! Uí! Hã! Hã! Hã! Fode! Fode!
Alguém precisava o indicar ao Oscar.
- Agora me deu medo! – falou o feirante vendedor de verduras, Regis, se retirando para apanhar mais uma dose de conhaque na Dona Jadi.
- E aí o que tu fizeste com o moleque, Piauí? – perguntou meu curioso tio.
- Eu me vinguei dele – respondeu Piauí acendendo um cigarro.
- Mataste o filho do teu compadre? – perguntou meu incrédulo Tio João.
- Claro que não! Eu temo a Deus, João. E assassinato é coisa que eu não vou levar nas costas.
- Então o que tu fizeste?
- Passado algum tempo eu atrai o rapaz até a nossa casa quando minha esposa havia saído para comprar umas coisas na baiuca de seu Fernando. Seduzir o moleque e depois ele me deixou fizer sexo oral nele. Então eu chupei o pau daquele vagabundo pra minha mulher flagrar – respondeu ele com a maior naturalidade. – Foi aí que a vagabunda aprendeu a não sacanear com a cara de macho. E o rapaz aprendeu a não se meter com a mulher do próximo. Pense num pau gostoso! Eu não podia criticar minha esposa.
- Tu és um velho veado! – troçou Tio João meio que rindo meio que constrangido enquanto se afastava para atender uma freguesa e o velho Piauí oferecia seus serviços de carregador para a cliente que comprara duas sacas de limão paulista.
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