segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Um conto de ressaca



Sexta-feira à noite. Nada planejado. Casualmente Roberto manifesta um súbito interesse de ir tomar uma no bar da esquina. A noite estava clara e o néon faminto devorava todas as estrelas enquanto os automóveis se ajuntavam no sinal. É Sexta-feira, meu velho, e os bares, como de costume, estão lotados. Paulo procura uma mesa a que é encontrada a custo. Abaixa-se a gelada. O papo já vai longe. Daniel surgira do nada e ficara para tomar um copo apenas, não poderia se demorar muito. Roberto (com toda sua eloqüência de político em vésperas de eleição) decorre sobre variados assuntos, enquanto Paulo, Álvares e o recém-chegado Daniel lhes prestam a devida atenção.

Conversa vem e vai e a noite avança sem ser notada. E quando se percebe os sentidos estão alterados; a voz se eleva além do habitual, tudo dormente. Letárgicos os carros passam e os transeuntes adquirem dimensões fantasmagóricas. Cadê as penas para irem embora? E eles riam e riam alto, falavam de tudo e de nada; de nada e de ninguém. Gargalhavam na vã tentativa de ludibriar as dores sepultadas vivas, dentro de suas almas amordaçadas. Pediram a “saideira”, a última e tomaram. Enquanto isso, a “pé-na-bunda” já estava a caminho, gelada e sedutora.

Os quatros se despedem. Cada qual para o seu canto. Os últimos ônibus passam e Roberto se despede de Álvares enquanto esse último resolve caminhar até sua casa. “Talvez o porre passe com uma boa caminhada”. Pensou o rapaz embriagado.

E à medida que os quarteirões iam sendo vencidos, por seus passos lentos e imprecisos, mais o efeito se intensificava.

O cinema de um lado e ele do outro da avenida. Largou-se na calçada do can, desolado enquanto o vento morno lhe trazia fortes lembranças de um antigo amor que, no entanto, o feria rasgando-lhe por dentro. E ele gritou, gritou bem alto:

- REGIANE!

A basílica ao seu lado direito e a altiva samaumeira em sua retaguarda. Ficou ali jogado por horas imprecisas a olhar, fixamente, o frontal Cine Nazaré. A recordar, a sofrer um sofrimento desmedido, exagerado eu diria. Um sofrer que lhe era necessário. Um sofrer que ele aprendera a amar. Como a sua imensa e bem cuidada solidão.

Levantou-se a custo e em seu desequilíbrio entende que o retorno ao lar será impossível naquela noite. Então a Praça Santuário surge como opção de hotel. Toda cercada de altas grades e trancada seus portões de acesso, na certa daria para “desbundar” sem medo de amanhecer sem as roupas do corpo. Como entrar então, meu velho? Álvares avalia o portão lateral da praça: fechado. Não se desestimula e vai até o portão frontal e para sua sorte o mesmo estava apenas encostado. Entrou e encostou o portão novamente. Olhou para a Santa e a Santa lhe olhou de volta. Como seria agradável dormir ali na ilharga de Nossa Senhora de Nazaré. Caminha até o local onde está a Santa. Mais um portão. Fechado. A Santa ali lhe olhando com um olhar reprovador. Ele se desculpa e sai de cabeça baixa. As gramas estão orvalhadas então se senta no banco rígido e frio e deita e dorme.

A basílica se enrubescia ao tocar dos longos dedos do sol que lhe acariciava o corpo mármore e neoclássico fazendo-a sorrir e balançar, frenética, seus sinos de bronze. Os relógios das torres marcavam seis em ponto e aos periquitos forasteiro faziam a maior algazarra na samaumeira que disputava em graça com a basílica. Um grupo de velhos observava a incomum presença daquele jovem deitado sob a supervisão da Santa, da basílica e da samaumeira.

Com passos firmes e decididos caminha em direção a basílica. Sobe suas escadarias, passa por entre as colunas de mármore reluzente e entra na suntuosa casa de Deus feita pelas mãos de homens. Senta e observa a missa. Rezar não sabia, nem católico era. E antes que seus pensamentos pudessem se ordenar uma pequena procissão sai atrás da Santa que lhe observara durante o sono ao relento. Agora ela está sobre uma berlinda repleta de flores diversas e é carregada por quatro homens. Álvares lhe olha e ela responde a esse olhar (pelo menos é o que rapaz percebe). E acompanha a procissão ainda sob o leve e atordoante efeito do álcool. A Virgem sai para uma volta no quarteirão e os devotos rezam e louvam. Em coro uníssono pediam para que suas almas fossem livradas do fogo eterno do inferno, amém. No entanto, Álvares rezava ao contrario, pois o céu lhe parecia careta demais e o inferno, sempre bem agitado com suas orgias mil, lhe vinha como uma opção bem agradável diria até mesmo divina. Então, sua oração particular fora interrompida por um senhor de cabelos brancos e olhos cansados que pedia para ajudá-lo a carregar a Santa. E lá se vai o jovem bêbado do lado esquerdo da berlinda, sentindo o peso da padroeira dos paraenses no ombro e subindo a passos incertos a 14 de Março em direção à Avenida Nazaré. “Lançai-me no fogo do inferno pela eternidade, amém”. Era a sua oração mental em paradoxo com a oração verbal dos devotos absorvidos pela idéia de um céu tão próximo de seus olhos.

2 comentários:

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk..
Muito bom esse final, o maluco levando a santa.
hehehehehehe
Bem criativo!
Podes crer, só tava faltando falar do Círio.
flwsss

Anônimo disse...

Sério? Valeu, kra.
Sobre o teu texto, só tenho uma coisa a dizer: só vivendo a cena pra se falar daquele jeito.

Tu escreve de um jeito natural, parabéns por isso.
Espero que tu avance nesse projeto.
Tens orkut? Vou dar uma procurada, Se te achar eu vou te adicionar, Blz?

Abraço.

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