segunda-feira, 5 de maio de 2008

Desempregados

Estávamos quase no meio do ano e eu ainda não tinha conseguido emprego. Daniel estava na mesma situação. Marcamos de levar um currículo no comércio.
- Cara – disse-me Daniel levemente chateado – agente vai atrás de trabalho amanhã... Outro dia agente bebe. Quero dar um tempo. O pessoal lá em casa ainda tá enchendo desde daquela vez.
A última vez que Daniel e eu bebemos, o seu estômago pediu que jogassem a toalha. O cara enfiou a cabeça na minha privada e vomitou até o que não tinha nas tripas. O conhaque tinha acabado com Daniel. Ainda tínhamos cachaça e eu bebia, enquanto Daniel continuava com a fuça na privada. Então, fechei a casa e deitei-me adormecendo. Daniel em algum momento deixou a minha privada em paz, saiu de casa, fechou a porta e jogou a chave pelo vão da janela.
Então, ele caminhou pela rua, solitário, tentando acertar os passos, no intuito de chegar a sua casa. Já passava das três da madrugada e, como nosso bairro desponta na lista dos mais perigosos da cidade, um bandidinho de merda o parou antes de chegar a seu destino. Mandou que ele tirasse a camisa e o boné. Daniel realizou esses procedimentos muito custosamente visto que era extremamente complicado realizar essa tarefa no estado alcoólico em que se encontrava. Depois desse chato incidente, bastante comum em nosso bairro, o meu parceiro avistou a sua casa. Mas os seus velhos estavam na varanda o esperando. Provavelmente levou uns bons sopapos do pai, mas não quis me contar. Disse apenas que seus pais cagaram em sua cabeça. Ele estava com um receio enorme de virar alguns copinhos inocentes. Eu estava bem arranjado de parceiro.
- Deixa de viadagem – disse a ele. – Vamos tomar só uma.
- Álvares – respondeu ele – tu nunca tomas só uma.
Sei que acabei rebocando o cara comigo para o bar.
O bar ficava numa extremamente perigosa, mas havia bastante bebida ali. E isso bastava. Entramos. Havia algumas pessoas bebendo e o garçom era um velho baixinho de cabelos e barba branca. Pedi uma cerveja. Enchi os copos e esvaziei o meu rapidamente. O velho assistia desenho animado. Eu gostava daquele desenho animado. Era um desenho bastante engraçado.
A cerveja acabou logo e fiz sinal para o velho garçom nos trazer outra. Daniel reclamou:
- Agente vai atrás de emprego amanhã, Álvares.
- Foda-se – respondi.
- A mamãe enche o saco pra eu arrumar um emprego. Pra ajudar nas despesas que tu sabes que alta. Temos que par aluguel, luz... A tua vida é boa. Tu não tens com que se preocupar e nem uma mãe vinte quatro horas te enchendo. Tu podes beber de cabeça fria. Depois daqui eu tenho de voltar pra casa e os velhos vão está lá pra me encher a paciência. Tenho que deixar a poeira baixar, cara.
- Foda-se você e a sua família – disse.
- Repete isso, cara – provocou Daniel.
- Foda-se…

Senti os punhos de Daniel enterrar no meu estômago e quase simultaneamente em minha face. Tombei por cima de umas mesas que se encontravam empilhadas a minha direita. Agarrei-me numa e larguei em cima de Daniel. A desordem estava armada e todos brigavam. O velho do balcão tomou uma atitude e tirou não sem de onde um treisoitão reluzente e gritou mais alto que a desordem:
- VAMOS PARAR COM ESSA PALHAÇADA SENÃO, EU JURO POR DEUS, VOU DESCARREGAR TODA ESTA PORRA EM CIMA DE VOCÊS.
Silêncio geral.
- Agora terminem suas cervejas e rasguem daqui – disse de forma mais branda, o velho garçom.
Esvaziamos nossos copos e nos retirarmos. E no caminho de nossas casas, falamos:
- Velho fodido – disse eu meio distante. – Se acha o bacana só porque tem um trinta-e-oito.
- Isso aí é verdade – respondeu Daniel tão absorto quanto eu. – Passo oito horas na tua casa pra gente levar o currículo, valeu?
- Certo – respondi.

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