quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

FEIRA LIVRE


A estrela d’alva brilhava única no céu. O sol lançava suas douradas lanças na moribunda madrugada, que espalhava o seu sangue sobre as nuvens. Em vão tentava se opor as implacáveis investidas daquela manhã recém-nascida. Os automóveis começavam a passar em grande quantidade para o Centro, e os ônibus completamente lotados. Mais um calvário diário. Tudo parecia cumprir à risca um plano invisível, repetitivo, banalizado. Era como se as horas fossem engolidas para logo em seguida serem vomitadas. Os demônios que havia naqueles corpos desapareciam em meio aquela melancolia tingida por respingos de felicidade. Felicidade por poder perceber essas paixões pungentes que em momentos como esses adquirem uma certa grandeza… E o mundo continuava girando em torno de sim e daquele imenso sol. Mundo tão pequeno e seus habitantes menores ainda. Como não se surpreender com mais um dia que se inicia.
O vento vindo da BR 316 trazia consigo o odor de suores e fumaça. Frases desconexas, gritos de preços e mercadorias “Tucupi um real! Tucupi um real! Tá cabando!” A Feira do Entroncamento assistia resignada aquele trânsito desordenado. Um caminhão, descarregado cheiro verde, alface, limão e maracujá ajuntava em redor de si um amontoado de feirantes que queriam “garanti o da bóia”, como eles diziam. Seis horas da manhã. Uma senhora comia um pequeno pão francês e bebia um café com bem leite que era solvido lentamente, pois estava quente, o pão era comido e o café em seguida era tomado fazendo a margarina se dissolver em sua boca dando-lhe um prazer quase sexual. O movimento na feira era intenso.
Rostos marcados por uma inexplicável calma e serenidade, era como se nada nesse mundo pudesse lhes preocupar. Sérios e ao mesmo tempo hilários. Como entender essa dosagem? Frases criadas de repente, estrondosas gargalhadas e depois um hermetismo, quebrado somente quando algum cliente perguntava o preço da mercadoria. Um senhor vendia café com cigarros. Os ladrões tentavam passar os roubos da noite anterior. E eu estava cansado e com sono.
Uma coisa porém me chamou atenção naquela manhã ensolarada. Claros olhos fixos no infinito, finos cabelos louros, corpo extremamente magro, não precisava adivinhar o motivo de toda aquela magreza ainda mais vendo aquele vidro de cola em suas mãos, que vez ou outra era levado com ímpeto ao seu pequeno e afilado nariz. O rosto, com profundos sulcos, nos passava a idéia de uma caveira. Parada ali em frente de um amontoado de couves e alfaces que o feirante arrumava com arte em forma de círculos. Porém, quando o feirante levantou os olhos para ver quem estava parado ali na sua frente se surpreendeu ao ver aquela jovem viciada, no entanto, mais surpreendido ficou ao notar que a mesma estava grávida. Uma forte angústia atravessou o seu peito. “Como alguém poderia viver numa situação como aquela. Não teria aquela infeliz algum pai, mãe ou irmãos, sei lá”. Pensava ele se retirando daquela realidade tão dolorosa para tomar um café. A garota levava mais uma vez o vidro de cola ao nariz. Uma sensação de paz e plenitude lhe invadia. Família, fome, bebê… Nada mais lhe importava, pois já não estava mais nesse mundo.
A feira continuava pulsando com seus personagens distintos. Os carros continuavam passando, ou melhor, se amontoando no sinal. Os ônibus passando lotados. E a jovem “cheira cola”, ia lentamente se retirando do alcance de minha visão. O sol brilhava radiosamente e a noite já preparava sua vingança para daqui a algumas horas, eterna luta. Minhas pálpebras pesavam. O sono batia com mais força.

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